domingo, 28 de junho de 2009

Beauvoir.

Quarta-feira, 23 de julho de 1947.

(...) Nós nos amamos através de lembranças e esperanças, através da distância e das cartas. Conseguiremos fazer deste amor um sentimento humano, vivo e feliz? É preciso. Acredito que conseguiremos, mas não será fácil. Nelson, eu o amo, mas será que mereço seu amor, já que não lhe dou minha vida? Eu tentei explicar porque não posso dá-la. Você compreende? Não guardará ressentimentos? Não guardará nunca? Você acreditará sempre, apesar disso, que é realmente amor o que sinto por você? Talvez eu não devesse levantar estas questões, me faz mal exprimi-las tão brutalmente. Mas, mesmo assim, não posso evitar, é a mim mesma que coloco essas questões. Não quero mentir para você, dissimular o que quer que seja. Se estou perturbada há dois meses, é porque uma dessas questões me obceca o coração e me faz sofrer: é justo dar uma parte de si, sem estar pronto a dar tudo? Posso amá-lo e dizer-lhe que o amo sem ter a intenção de lhe dar toda a minha vida, se você a pedir? Você me odiará um dia? Nelson, meu amor, seria mais fácil para mim não levantar esse problema, seria fácil porque você não o fez. Mas você dizia tão gentilmente que não poderíamos jamais nos mentir ou calar um diante do outro. Eu não suportaria nenhuma má intenção, de decepção, de rancor entre nós. Agora está feito, está escrito. Não responda se não tiver vontade, conversaremos a respeito quando nos encontrarmos. Você se lembra que uma vez eu lhe disse o quanto o respeitava: foi esse sentimento que me levou a escrever esta página. Eu não estou dizendo que você exige a minha vida, mas apenas isto: não sabemos o que acontecerá quando nos revermos, tudo o que sei é que, aconteça o que acontecer, eu jamais poderei lhe dar tudo, e sinto-me constrangida quanto a isso. Oh, querido é infernal estarmos afastados e impossibilitados de nos vermos, quando falamos de coisas tão importantes. Você percebe que é por amor que tento falar a verdade, apesar de tudo, e que isso revela mais amor do que simplesmente dizer “eu o amo”? Você percebe que quero merecer o seu amor tão intensamente quanto eu o desejo? Leia isso com um coração amoroso, imaginando minha cabeça no seu ombro. Talvez minha carta pareça pueril, ainda mais porque digo o que você já sabe. Não pude me privar de escreve-la esta noite, nosso amor deve ser verdadeiro. Precisamos conseguir nos reencontrar. Minhas expectativas, eu as coloco tanto em você quanto em mim. O que quer que você pense, beije-me muito forte.

Sua Simone.


Simone de Beauvoir... Que textos, que sentimentos, que mulher. Se eu fosse um quarto do que ela foi, eu seria um pouco mais completa, um quarto completa. Mas enfim, foi isso. Foi isso exatamente que eu senti... Dei uma parte de mim, sem estar disposta a dar tudo. Foi exatamente isso. E fui chamada de estranha, de fria. Talvez o tenha sido. Mas eu digo que foi amor demais.

terça-feira, 23 de junho de 2009

No tempo em que comemoravam o dia de seus anos.

A última lembrança que tenho dele é de sua posição no banco de madeira logo em frente a porta de vidro e ferro. A cabeça baixa, os olhos entreabertos, a feição velha, triste e cansada. É a última coisa que vi em seus olhos, cansaço... E naquele dia eu chorei. Porque não era apenas meu vizinho, nunca o fora. Era ele, um retrato do que eu temo ser, e do que eu gostaria de ser. A esclerose me assusta, mas, de fato, parece algo melhor do que ser lúcido, às vezes. Foi a última coisa que vi em seus olhos cansados e não muito abertos, palidez. E eu ainda me lembro de ouvir sua voz alta ecoando na escada, a qualquer hora do dia. É, o silêncio dói mais do que muito, agora. A voz, os poucos fios de cabelo, os olhos, a pele, as mãos, a postura. Que descanse em paz, meu bom camarada, do senhor, eu não me esqueço.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Cansaço. É a única palavra que me vem a cabeça. Às vezes o verbete 'raiva' aparece, e dá uma flutuada. Algumas onomatopéias, o hahahá.... Mas cansaço é mais constante. As 'provas' só me provaram que eu sei pouco, ou, ao menos, muito menos do que muita gente. Me provaram que sou frágil, e que, realmente, 'não aguento dez minutos de porrada' com a biologia, a geografia, a história, o inglês, as redações, e nem com a matemática. Me provaram que sou frágil. Cansaço. O pior cansaço, com certeza, é o que vem, agora, acompanhado da raiva. Porque só as provas, as provas só me provam, com falta de exatidão, o que eu deveria ser, e não sou. A raiva não. Esta, me provou o que eu sou. Fria e calculista. Ou pior, muito pior. Só fria, sem a capacidade de medir ou calcular nada. A frieza estúpida, que não arquiteta nada. É o cansaço, a raiva. As onomatopéias salvam, com certeza. O hahahá mais caloroso do que minha falta de cálculos, o cof cof mais saudável do que minhas cólicas diárias, o piiiiiir mais afinado do que meus gritos que imploram atenção. É o cansaço. A única palavra que habita meu corpo. É, é o cansaço.

domingo, 7 de junho de 2009

Outro dia li em um blog, do único cara que comenta aqui, porque teve o azar de achar essa droga, algo sobre 'um motivo pra sorrir', e achei, sinceramente, utópico, distante, no meu caso. Talvez não seja... Talvez eu tenha descoberto em alguém antigo, alguém passado, o meu motivo pra sorrir... É carinho demais, e eu não mereço tanto... Pode parecer bizarro, o meu pessimismo... E é, mesmo... Mas é só pra mostrar que eu não sou sempre estupidamente deprimida... Que a dose de Alvares de Campos presente em mim se mistura com a fração Camões... E é realmente só o amor que conhece o que é verdade, e que quer o bem, e não o mal... Enfim.

terça-feira, 2 de junho de 2009

O lado menos gay.

Hoje tive uma aula de hipocrisia. De hipocrisia, de preconceito deslavado. Hoje tive uma aula digna de soneca. Ela diz que não gosta de vizinhos pobres, eu digo que a pobreza dela é maior do que todas as outras. Ela diz que o Brasil é uma droga, eu digo que a droga quem faz é ela. Ela diz que a Europa é incrível, eu digo que lá eles também não descobriram a igualdade. Eles dão risada de cada nazi-palavra. Eles riem de desgraças, desgraças que ela monta. Ela fala das cabeças raspadas, ela se veste com uma colcha de retalhos (de preconceitos). Eles riem da suástica, sem saber o que isso significa. Eles fazem a tragédia, eles criticam a si mesmos, sem saber. E eu? Eu, tenho uma aula de hipocrisia, do que não ser, de preconceito deslavado, recheada de suásticas e risadas pálidas, ou não. E eu? Eu nunca, eu nada.

De qualquer forma, PRÓ-GRÊMIO moçada! Se tão esperando que eu vá atrás, eu vou... Tudo para dar mais voz ao povo... Mesmo que o povo seja esse povo, esse povo da escola...