segunda-feira, 26 de outubro de 2009

E agora?

Foi o pior telefonema em anos. A voz fraca de uma velha amiga enfraquecia a minha. "Você ficou sabendo?" e eu já esperava o pior. Fa-le-cer, que palavra dolorosa, que erro da juventude. E, ao passo que a conversa se estendia, minha voz se enfraquecia, e o "sinto muito" que eu guardava por alguns dias precisava se soltar, mas não agora. No lugar das duas palavras presas outras tantas "Mas quando? Aonde? E ela?". Agora as lágrimas escorriam. Aos poucos, uma de cada vez, num revezamento quase perfeito, o direito, depois (ironicamente) o esquerdo; o segundo pedia mais atenção. Tudo o que eu queria era desligar o telefone, desligar o telefone e correr pro colo da minha mãe, como uma criança que acaba de ser rejeitada. E foi o que eu fiz.
As palavras não saiam da boca por inteiro. Como? E agora? Todas se picavam, talvez para eu não me entender, não lembrar. "A mãe da Stê..." e ela já tinha entendido. Num abraço as lágrimas escorreram com mais pressa, mas ela ainda esperava o resto, pacientemente. "A mãe da Stê morreu, hoje de manhã". Eu não conseguia mais segurar, as lágrimas obedientes e ordeiras eram agora lágrimas aflitas, o olho esquerdo não esperava mais o direito para desaguar. Eram agora os dois, me afogando, com pressa.
Como eu podia ter passado um dia tão bom enquanto ela chorava? Como eu podia comemorar enquanto ela perdia? Ela, minha amiga de alguns anos, que via assombrações pra assustar uma jovem classe. Ela, que alugava vídeos pra serem assistidos em casa, que comprava pizza e suco de mamão. Como eu pude não estar lá? Como eu pude não torcer pro Corinthians dela, ontem?
"Eu preciso tomar um banho", foi o que eu consegui dizer, depois de ficar alguns minutos naquele colo, ora pensando, ora fitando qualquer ponto tentando parar de chorar.
Foi no banheiro que me afoguei. As lágrimas, agora maldosas, pareciam querer competir com a água do chuveiro. Ver quem caia mais rápido, e em maior quantidade. Minhas ações pareciam desesperadas, a vontade de quebrar todo aquele vidro, todo o banheiro sumiu rápido, antes que eu pudesse agir. E agora?
O fim do banho me fez melhor. Se eu enfraquecesse, eu podia enfraquecê-la, e eu não podia. Não podia enfraquecer a mulher que foi comigo ao albergue, e prometeu furar a orelha de uma mocinha, não podia enfraquecer a menina que ouviu Forfun comigo na praia, e fez pesquisa nas barracas da feirinha, não podia, nem queria.
E agora? Não é só uma vida, é a mãe, a esposa, a nova avó, a filha, a amiga, a cabeleireira. Não era só uma mulher. Era a mulher.
E agora? O sorriso farto entre as bochechas muito grandes. Os olhos brilhando ao falar de um vampiro. E agora?
Pensar em qualquer outra coisa (física, xenofobia, química) se tornou difícil. Eu só queria responder pra mim mesma, e agora?

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